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sexta-feira, 12 de agosto de 2016
terça-feira, 9 de agosto de 2016
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
domingo, 7 de agosto de 2016
Resenha: A cidade sitiada, de Paulo Tabatinga
O livro "faz um apelo desesperado para que Teresina seja estacionamento de poetas"
Poesia
é um estado da alma, e por isso mesmo do corpo. A pessoa onde a poesia surge é,
de certa forma, não mais dona de si. Se não fosse assim, por que então aquele
momento de Poesia inundaria a vida
inteira da pessoa de Drummond? Além disso, um certo Pessoa diz que “todo o
estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma
paisagem”. Calculando os termos desta operação podemos concluir que poesia é
uma paisagem. Mas, fundamentações teóricas a parte, uma olhada no livro a cidade sitiada, de Paulo Tabatinga,
nos faz ver, literalmente, como a poesia é uma paisagem.
Uma cidade é composta, entre outras
coisas, pelos seus habitantes. Mas, ao mesmo tempo em que um indivíduo habita
uma cidade, ele é por ela habitado. Quando vivemos num lugar, o lugar também
vive em nós. Esta relação dialética, de habitar e ser habitado pela cidade, é a
matéria-prima sobre a qual Paulo Tabatinga trabalha para expressar a si e a
cidade, através da fotografia e da poesia. O livro vai muito além de uma mera
tentativa de ilustrar com imagens o texto poético, ou de “explicar” a foto por
meio do texto. Há, em algumas páginas, fotos que se ligam diretamente ao texto.
Mas, se nesses momentos o autor diminui o quadro de nossa imaginação, por ouro
lado nos convida a focar em coisas simples, e este é o ponto forte do livro: a
beleza, às vezes melancólica, da simplicidade.
Em a cidade sitiada a palavra não empobrece a imagem, nem o contrário.
As fotografias mostram as grandezas de uma pequena Teresina, e pequenez de uma
cidade que quer ser “grande”. Por provocarem um impacto imediato, as
fotografias casam com os poemas. Estes são simples, curtos, alguns tendem ao
aforismo, e dizem muito com poucas palavras. Levam-nos à reflexão crítica, como
em “TV Aberta: a TV aberta é a coisa mais fechada que eu conheço”. Até porque,
como o autor define páginas à frente, mídia é um “laboratório onde se criam
realidades”. A nostalgia irônica tem seu lugar em poemas como “Cine Rex”: “Era
muita putaria/ mas ficava sério/ para passar filme de semana santa”.
De forma geral, o que vemos e o que
lemos em a cidade sitiada faz dele um
bom livro. Como a voz da foto é muda e o silêncio da poesia é som, o casamento
tem um final bonito. Infelizmente, não feliz. Isto porque o livro é também a
denúncia do crime político que se comete em nome do dinheiro, que transforma a
capital numa cidade sem alma. Tabatinga usa a fotografia como janela da poesia,
e faz um apelo desesperado para que Teresina seja estacionamento de poetas.
_
Sobre o resenhista:
André Henrique M. V. de Oliveira
é doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará. Autor de
"Sem pé nem cabeça: esparsos escritos sobre coisas algumas", publicado
em 2015. Professor de Filosofia do IFPI.
Verbo bárbaro - Por: Rogério Newton
http://www.revistarevestres.com.br/algomais/cronica/verbo-barbaro/
Verbo Bárbaro - Por: Rogério Newton
Verbo Bárbaro - Por: Rogério Newton
(Texto publicado na Revestrés #21 – Edição Renato Castelo Branco – 2015)
Parei no alto do barranco, olhando o rio: era a primeira vez que o via. Meu irmão me tirou do devaneio, tocando-me o braço. Canoas cheias de gente seguiam para a coroa que se formara no meio do leito, com banhistas, peladeiros e barraquinhas de palha. O Flamengo do Rio jogara na noite anterior e estava lá um atleta do time reserva, acompanhado por moças bonitas, de biquíni. Entramos no barco a motor e cheiro forte de óleo, vencemos as águas e pisamos a areia iluminada de sol.
Parei no alto do barranco, olhando o rio: era a primeira vez que o via. Meu irmão me tirou do devaneio, tocando-me o braço. Canoas cheias de gente seguiam para a coroa que se formara no meio do leito, com banhistas, peladeiros e barraquinhas de palha. O Flamengo do Rio jogara na noite anterior e estava lá um atleta do time reserva, acompanhado por moças bonitas, de biquíni. Entramos no barco a motor e cheiro forte de óleo, vencemos as águas e pisamos a areia iluminada de sol.
O rio me chamava pra viver e foi uma das
principais razões para eu ficar em Teresina. Ainda hoje pulsa a memória
do primeiro dia e de muitos outros. Mas deixei-o. Foi quando as águas
ficaram sujas demais e a cidade, sitiada. É difícil, pode causar muita
dor, mas é possível que o leitor ajude a entender como a cidade ficou
assim. Tarefa dura, de nada adiantarão os lugares comuns, as frases
gastas e tolas, as doces lembranças.
Talvez nos socorra o rio sangrando: vermelha
água pedindo espanto. Os quintais, mil sonhos e algo mais. Uma imagem na
parede, mesmo sabendo como dói uma fotografia na distância amarelada do
tempo. Poderia ficar mudo, mas de nada serviria, pois palavras são
silêncios que transbordam. Por isso, indago: cidade ácida, por que você
anda assim tão só? O asfalto a fez perder o chão? Mas, no instante em
que digo cidade, ela passa por mim e não consigo pegar.
Não consigo pegar e o mundo que quero não passa
na televisão. Vejo-o no outdoor, a dor dentro, meu amor. Coloquei minha
vida no pen drive. Minha sala não é mais de visitas, só tristeza de
televisão. E meu coração finge, a todo custo, ser normal no mundo
mercado onde sou apenas pré-juízo.
Com vontade louca de voar, dormi desertos de
sonhos adulterados. Corri para o Caravelle, encontrei o saguão do
aeroporto prendendo a ingenuidade dos adeuses. Andei pela tarde: o céu
estava claro, o mundo estava lindo, eu era feliz. Vou guardar tudo para o
dia em que acordar triste.
Aqui tudo me desconhece e me parece estranho.
Algo se perdeu entre concreto, insensatez e abandono. Excluídos urbanos
deliram esquecidos. Escombros humanos fumaçam nesse mundo de masmorra.
Um dia, na solidão das coisas, todos terão companhia da solidão das
máquinas. Como dói em mim atravessar o vazio, assim meio saraiva.
A Rua 7 de Setembro tinha cheiro de cinema: as
amendoeiras sabiam disso. A cidade perdeu o rumo. Era verde e agora tem
mais de cinquenta tons de cinza. Isola velhos e dá-lhes crachás de
trânsito livre. Cerca praças e chama crianças de delinquentes.
A estação antiga vive desbotada. Edifícios
carcomem horizontes. A luz elétrica desconhece como ficou quem gostava
de contemplar vagalumes. E quase ninguém escuta o canto dissonante dos
passarinhos nos postes. Entre ruínas, seguimos tristes, olhando para
trás.
Vivemos em um tempo quadrado, feito o relógio
invisível dos shoppings, mas o tempo não está no relógio e o sol insiste
em clarear um novo dia. Minha alma está inquieta. Na cidade
prostituída, vejo deus brincando de poesia.
Diante dos escombros, meu silêncio prepara uma
crônica inútil. Vou para a rua, bebo luz, vejo um índio perdido na Frei
Serafim, de óculos ray ban e calça jeans. Um índio tapuia, quem sabe
poty, perdido na margem da margem.
Me aproprio do verbo bárbaro e aprendiz de Paulo
Tabatinga como um anjo torto do Mafuá devora poemas sórdidos e telas
partidas. Saiba o leitor: a cinco graus do equador e em nenhum lugar se
lê um poeta em linhas retas. Na cidade sitiada, ele sai às ruas e grita
debaixo do sol e da noite surda para acordar quem não morreu.
sábado, 30 de julho de 2016
Casa Onde Nasceu o poeta Da Costa e Silva
Casa onde o poeta piauiense, Da Costa e Silva, nasceu - Amarante, Piauí - A foto mostra o descaso com a preservação histórica do local, que desde 68 passou transformações inadequadas.hoje em dia, a casa, onde nasceu o poeta, não existe mais.
Antônio Francisco da Costa e Silva
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
É o autor da letra do hino do Piauí.
Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, Cadeira 21, cujo patrono é o padre Leopoldo Damasceno Ferreira.
Guilherme Luiz Leite Ribeiro disse que Costa e Silva era pavorosamente feio, o que influiu na sua carreira: "Nos tempos do barão do Rio Branco não havia concurso para ingressar na carreira diplomática, e a seleção era feita pessoalmente por ele, que conversava com os candidatos, em geral pessoas de família conhecida, de preferência bonitos e que falassem línguas estrangeiras. Antônio Francisco da Costa e Silva, ilustre poeta e pai do embaixador e acadêmico Alberto Vasconcellos da Costa e Silva, conversou com o barão sobre a possibilidade de ingresso na carreira, porém o chanceler foi taxativo: - Olha, o senhor é um homem inteligente, admiro-o como poeta, contudo não vou nomeá-lo porque o senhor é muito feio e não quero gente feia no Itamaraty..."[1]
Em seu segundo volume de Memórias, Balão Cativo, Pedro Nava conta a mesma história, embora não exatamente com as mesmas palavras:
Era o poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, cuja cara amarela parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca Estava recém-casado com a bela Alice Salomon [...] Fora várias vezes indicado para o Itamarati e sempre com boas proteções. Rio Branco, contra. Até que o nosso Dá, exasperado, enchera-se de razões e de coragem e fora interpelar o implácavel barão. Ousou perguntar-lhe, afinal, o que tinha contra ele. Eu? nada, meu caro amigo. Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belo homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamarati, não! O senhor aqui não entra.[2]
Um grande poeta que conquistou diferentes pessoas com seu jeito harmonioso de ser.. Poemas De sua cidade Amarante- Piaui, Caracterizava uma das suas obras.
Obras
- Sangue (1908),
- Elegia dos Olhos,
- Poema da Natureza,
- Clepsidra,
- Zodíaco (1917),
- Verhaeren (1917),
- Pandora (1919),
- Verônica (1927),
- Alhambra (1925-1933), obra póstuma inacabada,
- Antologia (coleção de poemas publicada em vida - 1934),
- Poesias Completas (1950), coletânea póstuma.
Referências
- RIBEIRO, Guilherme Luiz Leite. Os bastidores da diplomacia Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 50.
- Pedro Nava, Balão Cativo, Capítulo II: "Serra do Curral".
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Por falta de repouso, nossa civilização caminha para a barbárie
“Por falta de repouso, nossa civilização caminha para a barbárie” – Com Eliane Brum
Por Portal Raízes
Nos achamos tão livres. Como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E, assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.
Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é. (…)
Os autônomos são autômatos, programados para chicotear a si mesmos
Chegamos a isso: a exploração mesmo sem patrão, já que o introjetamos. Quem é o pior senhor se não aquele que mora dentro de nós? Em nome de palavras falsamente emancipatórias, como empreendedorismo, ou de eufemismos perversos como “flexibilização”, cresce o número de “autônomos”, os tais PJs (Pessoas Jurídicas), livres apenas para se matar de trabalhar. Os autônomos são autômatos, programados para chicotear a si mesmos. E mesmo os empregados se “autonomizam” porque a jornada de trabalho já não acaba. Todos trabalhadores culpados porque não conseguem produzir ainda mais, numa autoimagem partida, na qual supõem que seu desempenho só é limitado porque o corpo é um inconveniente.
Para este filósofo, a sociedade do século 21 não é mais disciplinar, como na construção de Foucault (1926-1984). Mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas “sujeitos de desempenho e de produção”. São empresários de si mesmos.
Se a sociedade disciplinar era uma sociedade de negatividade, a desregulamentação crescente vai abolindo-a. A afirmação Yes, we can, segundo Han, expressa o caráter de positividade da sociedade de desempenho. No lugar de “proibição”, “mandamento” ou “lei”, entram “projeto”, “iniciativa” e “motivação”. Assim, não é um acaso que a depressão é a doença dessa época. A sociedade disciplinar é dominada pelo “não”. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, para a qual teríamos “evoluído”, ao contrário, produz depressivos e fracassados. A sociedade de desempenho, nas palavras de Han, produz infartos psíquicos. (…)
“Por falta de repouso, nossa civilização caminha para a barbárie”
A contemplação é civilizatória. E o tédio é criativo. Mas ambos foram eliminados pelo preenchimento ininterrupto do tempo humano por tarefas e estímulos simultâneos. Você executa uma tarefa e atende ao celular, responde a um WhatsApp enquanto cozinha, come assistindo à Netflix e xingando alguém no Facebook, pergunta como foi a escola do filho checando o Twitter, dirige o carro postando uma foto no Instagram, faz um trabalho enquanto manda um email sobre outro e assim por diante. Duas, três… várias tarefas ao mesmo tempo. Como se isso fosse um ganho – e não uma perda monumental, uma involução.
Frente à vida desnuda, aponta Han, reagimos com hiperatividade, com a histeria do trabalho e da produção. A agudização hiperativa da atividade faz com que essa se converta numa hiperpassividade. Aderimos a todo e qualquer impulso e estímulo. Em vez da liberdade, novas coerções. Só por meio da negatividade do parar interiormente, o sujeito de ação pode dimensionar todo o espaço da contingência que escapa a uma mera atividade. Vivemos, diz ele, num mundo muito pobre de interrupções, pobre de entremeios e tempos intermédios.
Assim, o que parece movimento pode ser apenas adesão e paralisia. O ativo, ou o hiperativo, talvez seja de fato um hiperpassivo. Se há um tempo só, o do acontecimento, ou se tudo é acontecimento, nada de fato acontece. Em parte, explica a sensação de que tudo é efêmero, de que o espasmo de um segundo atrás, que produziu gritos e fúrias, tornou-se distante, substituído por outro que também produz gritos e fúrias, e que um segundo adiante já não será. E logo não se sabe exatamente pelo que se grita e pelo que se enfurece, mas o imperativo é seguir gritando e se enfurecendo.
Nessa atualidade histérica, a irritação substitui a ira. Voltando às palavras de Han: “A ira é uma capacidade que está em condições de interromper um estado, e fazer com que se inicie um novo estado. Hoje, cada vez mais, ela cede lugar à irritação ou ao enervar-se, que não podem produzir nenhuma mudança decisiva”. (…)
Há que se escutar o mal-estar – e não calá-lo
A positividade dessa época tem, no meu modo de ver, um desdobramento nessa crise tão particular do Brasil. Temos sido instados a ser “otimistas” ou a escolher este ou aquele lado “para recuperar o otimismo”. Como se a questão se desse em torno do otimismo/pessimismo, ou como se o otimismo fosse uma qualidade moral. Essa positividade também me parece aqui ganhar uma relação com a esperança, como já escrevi neste espaço. Como se o esperançoso tivesse uma qualidade moral a mais, o que o colocaria um ou vários patamares acima de todos os outros. E como se esse momento fosse uma questão de esperança ou de resgate da esperança, para além das manipulações marqueteiras mais óbvias. Pouco importa o otimismo/pessimismo, pouco importa a esperança. O buraco é muito mais fundo.
Há que se escutar o mal-estar – e não calá-lo. Vivê-lo num processo de interrogação, vivê-lo como movimento. Carregar os limites, sem confundir ter limites com estar paralisado. Não há potência total, não há tudo é possível, não há Yes, we can. Não ter potência total não é o mesmo que ser impotente. A ilusão da potência total é que acaba levando à impotência. Há potência em dizer não – e há potência em não fazer. Como Bartleby, o personagem de Herman Melville intuiu, “prefiro não fazer” pode ser um ato de resistência e de reconexão com a própria humanidade.
“O computador é burro porque não é capaz de hesitar”
Em mais um paralelo com as crises do Brasil atual, chama a atenção a necessidade de respostas imediatas, de explicações instantâneas, de certezas. Em alguns momentos mais agudos, uma parcela da própria imprensa parece ter se esquecido de fazer perguntas. A exigência de respostas imediatas, respostas que não passem pela investigação e pela interrogação, leva à resposta nenhuma. Porque não há pergunta. Porque o pensamento está ausente, foi substituído pelo reflexo e pelo imperativo de preencher o vazio com palavras. Não há mérito na velocidade, nadas imediatos continuam sendo nadas. Ou coisa pior.
Como aponta Han, apesar de todo o seu desempenho, o computador é burro, na medida em que lhe falta a capacidade para hesitar. Se o computador conta de maneira mais rápida que o cérebro humano e acolhe uma imensidão de dados é também porque está livre de toda e qualquer alteridade. É, por excelência, uma máquina positiva. Tornar essa positividade uma qualidade a ser imitada é uma estupidez a qual temos aderido.
Há anos ouvimos tantos repetindo por aí: “Estou cansad@”. O cansaço, diz Han, é mais do menos eu. Mas a tragédia é que “o menos no eu se expressa como um mais para o mundo”. E, assim, a sociedade do cansaço, enquanto uma sociedade ativa, desdobra-se lentamente numa sociedade do doping. E leva a um “infarto da alma”.
Senhor e escravo ao mesmo tempo, temos uma chance enquanto houver também um rebelde. Escutá-lo é preciso. Anestesiá-lo não é.
Trecho de Exaustos-e-correndo-e-dopados – De Eliane Brum, extraído de El País
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email:elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum
terça-feira, 26 de julho de 2016
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