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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Cavernas

O brasil
não consegue resgatar
suas crianças da caverna!

Paulo Tabatinga


Inspirado no assunto das crianças da Tailândia, que ficaram presos em uma caverna. O assunto foi bastante explorado pela mídia brasileira; justamente em um momento crítico, de abandono, por qual o Brasil vive.

https://g1.globo.com/mundo/noticia/meninos-resgatados-de-caverna-na-tailandia-nenhuma-crianca-jamais-mergulhou-dessa-maneira.ghtml


quarta-feira, 4 de julho de 2018

Muriçoca


O IRMÃO QUE NÃO SABIA DIZER NÃO - por Edmar Oliveira*

Foto: Paulo Tabatinga

Ainda meninos, lembro de quando íamos pegar leite na Trisidela. Ele carregava a carga pesada e eu, lépido e fagueiro, inventava estórias pra distraí-lo. Nunca reclamou de pegar no pesado e nem nunca quis contar histórias com as quais eu o engabelava. Ele era menor, mas mais forte e saudável. Eu o raquítico que só carregava esperteza. Já moleques taludos, lembro de chegar em casa de uma farra qualquer e acordá-lo pra trancar a porta. Nunca fez queixa dessa brincadeira sem graça. Meu pai resolveu que eu ia estudar e ele carregou a loja nas costas sem dizer não ao injusto sacrifício. Mas era o preferido de mãe e isso lhe bastava.
Nem sei se conseguiu formar-se em matemática, mas ela lhe foi útil quando ingressou por concurso no Banco do Brasil. Foi trabalhar no interior do Maranhão e eu vim pro Rio de Janeiro. Perdemos o contato por uns tempos. Quando retomamos ele estava casado e veio ao Rio com a filha pequena para uma cirurgia complicada. Mais tarde voltou com um segundo filho nascido com outro problema de má formação. Um cirurgião do Maranhão aqui no Hospital Jesus consertou os dois. Alertado para não ter um terceiro filho, riu e disse que queria, enfim acertar. E acertou nos três saudáveis e adoráveis sobrinhos. E o terceiro nem precisou mais de conserto, ele sabia bem.
Pra não enfrentar uma crise no casamento, foi embora. Constituiu nova família que não o queria e que não deu certo, mas ele não sabia dizer não. Não conseguiu dizer não para os problemas que a vida lhe pedia para resolver. Não conseguiu dizer não para o que pensava resolver adiando entre a bebida e o tabaco. Da última vez que o vi – antes do hospital – tentei conversar, mas achei que falava aquelas antigas histórias que eu contava quando menino, que ele nunca ouviu direito e continuava carregando seu fardo, como se obrigação fosse – por não saber dizer não.
Eu achava que ele estava se matando, mas ele ria e colocava o polegar pra cima – como se não pudesse dizer não para o destino. Tinha uma aposentadoria boa para a velhice, mas gastava toda em bondades demasiadas por não saber dizer não.
Muito doente, os filhos o ampararam e recuperam uma relação interrompida. Ele estava alegre, contando suas histórias do passado como se nunca tivesse ido embora. Os meninos estavam muito alegres também com a volta do pai e não queriam ver que ele já estava indo embora para nunca mais voltar. No hospital refizeram um passado perdido que pareceu não mais ter sido. Foi um belo encontro definitivo, não a separação da morte.
Quando o vi, já entubado num leito de CTI, me reconheceu com os olhos e colocou o polegar pra cima para me dizer mais uma vez que estava tudo bem, mesmo que ele estivesse indo antes de mim, furando a fila por ser mais novo. Era como se me dissesse que sempre carregara o fardo e eu que continuasse contando histórias que ninguém ouvia.
Só chorei, pois parte de mim morria também. E só agora senti o peso do fardo que ele sempre carregou.

* Psiquiatra, autor e escritor.

domingo, 1 de julho de 2018

Verbo Bárbaro - por Rogério Newton ( inspirado no Cidade Sitiada, de Paulo Tabatinga )

Parei no alto do barranco, olhando o rio: era a primeira vez que o via. Meu irmão me tirou do devaneio, tocando-me o braço. Canoas cheias de gente seguiam para a coroa que se formara no meio do leito, com banhistas, peladeiros e barraquinhas de palha. O Flamengo do Rio jogara na noite anterior e estava lá um atleta do time reserva, acompanhado por moças bonitas, de biquíni. Entramos no barco a motor e cheiro forte de óleo, vencemos as águas e pisamos a areia iluminada de sol.

O rio me chamava pra viver e foi uma das principais razões para eu ficar em Teresina. Ainda hoje pulsa a memória do primeiro dia e de muitos outros. Mas deixei-o. Foi quando as águas ficaram sujas demais e a cidade, sitiada. É difícil, pode causar muita dor, mas é possível que o leitor ajude a entender como a cidade ficou assim. Tarefa dura, de nada adiantarão os lugares comuns, as frases gastas e tolas, as doces lembranças.

Talvez nos socorra o rio sangrando: vermelha água pedindo espanto. Os quintais, mil sonhos e algo mais. Uma imagem na parede, mesmo sabendo como dói uma fotografia na distância amarelada do tempo. Poderia ficar mudo, mas de nada serviria, pois palavras são silêncios que transbordam. Por isso, indago: cidade ácida, por que você anda assim tão só? O asfalto a fez perder o chão? Mas, no instante em que digo cidade, ela passa por mim e não consigo pegar.

Não consigo pegar e o mundo que quero não passa na televisão. Vejo-o no outdoor, a dor dentro, meu amor. Coloquei minha vida no pen drive. Minha sala não é mais de visitas, só tristeza de televisão. E meu coração finge, a todo custo, ser normal no mundo mercado onde sou apenas pré-juízo.

Com vontade louca de voar, dormi desertos de sonhos adulterados. Corri para o Caravelle, encontrei o saguão do aeroporto prendendo a ingenuidade dos adeuses. Andei pela tarde: o céu estava claro, o mundo estava lindo, eu era feliz. Vou guardar tudo para o dia em que acordar triste.

Aqui tudo me desconhece e me parece estranho. Algo se perdeu entre concreto, insensatez e abandono. Excluídos urbanos deliram esquecidos. Escombros humanos fumaçam nesse mundo de masmorra. Um dia, na solidão das coisas, todos terão companhia da solidão das máquinas. Como dói em mim atravessar o vazio, assim meio saraiva.

A Rua 7 de Setembro tinha cheiro de cinema: as amendoeiras sabiam disso. A cidade perdeu o rumo. Era verde e agora tem mais de cinquenta tons de cinza. Isola velhos e dá-lhes crachás de trânsito livre. Cerca praças e chama crianças de delinquentes.

A estação antiga vive desbotada. Edifícios carcomem horizontes. A luz elétrica desconhece como ficou quem gostava de contemplar vagalumes. E quase ninguém escuta o canto dissonante dos passarinhos nos postes. Entre ruínas, seguimos tristes, olhando para trás.

Vivemos em um tempo quadrado, feito o relógio invisível dos shoppings, mas o tempo não está no relógio e o sol insiste em clarear um novo dia. Minha alma está inquieta. Na cidade prostituída, vejo deus brincando de poesia.

Diante dos escombros, meu silêncio prepara uma crônica inútil. Vou para a rua, bebo luz, vejo um índio perdido na Frei Serafim, de óculos ray ban e calça jeans. Um índio tapuia, quem sabe poty,  perdido na margem da margem.

Me aproprio do verbo bárbaro e aprendiz de Paulo Tabatinga como um anjo torto do Mafuá devora poemas sórdidos e telas partidas. Saiba o leitor: a cinco graus do equador e em nenhum lugar se lê um poeta em linhas retas. Na cidade sitiada, ele sai às ruas e grita debaixo do sol e da noite surda para acordar quem não morreu.

(Texto publicado na Revestrés #21 – Edição Renato Castelo Branco – 2015)


Fonte: www.revistarevestres.com.br/algomais/cronica/verbo-barbaro/