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domingo, 24 de abril de 2011

A CIDADE INVISÍVEL - Paulo Machado*

O planejamento do espaço físico escolhido por José Antônio Saraiva, na segunda metade do século XIX, para a construção da cidade de Teresina, foi estrategicamente definido em uma área plana, entre trechos dos rios Parnaíba e Poty, por razões geopolíticas.
O eixo de crescimento do espaço urbano foi orientado na direção norte-sul, a partir do primeiro núcleo populacional localizado na foz do rio Poty, com previsão de expansão gradativa e contínua para o sul. A zona rural do município foi originariamente planejada para se estender pelas regiões Nordeste, Leste e Sudeste, a partir do limite natural do referido rio. Esta estratégia de planejamento garantiria o equilíbrio climático do espaço urbano, projetado para desenvolver-se entre os dois cursos d'água, em decorrência da preservação da vegetação nativa.
A cidade foi planejada por Saraiva para desempenhar economicamente a função de pólo principal de todas as atividades mercantis do Meio-Norte. O planejador criou um modelo de cidade para ser o centro de convergência dos fluxos de produção dos pólos agrícolas e agroindustriais das regiões Sudeste, Sudoeste e Sul da Província do Piauí, escoado através de ramais ferroviários que abasteceriam um movimentado porto fluvial, a ser construído no rio Parnaíba, dentro do perímetro urbano do município. Essa atividade portuária fluvial funcionaria como elo intermediário da cadeia de exportação, a ser concluída pelos portos marítimos das províncias da região Nordeste.
Essa análise realista das circunstâncias políticas e econômicas determinantes do planejamento urbanístico de Teresina e a compreensão de suas conseqüências foram estudadas por Abdias da Costa Neves, político teresinense que defendeu, com competência e coragem, a tese de interligação das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste por troncos ferroviários convergentes para a cidade de Teresina. Isto se deu quando Abdias exerceu, durante a República Velha, o mandato de senador da República, eleito pelo povo piauiense.
Entretanto, a partir da década de 50 do século XX, os incentivos às atividades do setor imobiliário, viabilizados pelos prefeitos e vereadores de Teresina, passaram a ser motivados por grupos econômicos originários da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Maranhão e de grupos políticos com bases eleitorais nos municípios piauienses das regiões Sudeste, Sudoeste e Norte, que definiram como princípio fundamental a partilha de poder, com a finalidade de garantir a preservação dos seus interesses. Assim, o plano de desenvolvimento urbanístico original foi substituído, para que as pretensões desses grupos econômicos e políticos fossem satisfeitas. Por essas razões, definiram, para o eixo de crescimento do espaço urbano, a orientação oeste-leste, com a ampliação progressiva do perímetro urbano para além do rio Poty.
Esse novo eixo de crescimento do espaço urbano provocou o comprometimento irreversível da vegetação nativa e dos componentes da bacia hidrográfica do referido rio. Com efeito, as lagoas e riachos que garantiam o equilíbrio dos diversos ecossistemas, durante os primeiros cem anos, desapareceram sob a fúria dos especuladores, que realizaram os grandes loteamentos das zonas Leste e Sudeste. Tais danos ambientais não foram previstos pelos administradores municipais e pelos especuladores imobiliários, mas os seus custos estão sendo pagos por todos os habitantes da cidade, neste início de século XXI.
É que o processo desastroso, que resultou da progressiva ampliação do perímetro urbano orientada para as regiões Leste e Sudeste, só pode ser compreendido se o analista detiver conhecimento histórico e coragem de encarar os fatos políticos e econômicos, ocorridos nos últimos 40 anos, sem se submeter às normas de interpretação definidas pelos beneficiários diretos ou indiretos da partilha do poder. Caso não satisfaça a estes requisitos, concluirá que o processo de desenvolvimento urbano está sendo cumprido, em todas as suas etapas, conforme o planejamento elaborado por técnicos competentes e honestos. Ufanisticamente, levantará dados estatísticos referentes às cifras do capital investido na construção civil e nas instalações das estruturas de prestação de serviços públicos e, orgulhosamente, elogiará as realizações dos carnavais fora de época, que geram milhares de empregos temporários e são fontes sazonais de renda, como inquestionáveis indicadores de progresso social. Excluirá também, sem dúvida, de sua análise, o degradante processo de favelização disseminado por todas as zonas do espaço urbano, fato social arraigado nos conglomerados de cortiços, onde milhares de miseráveis são politicamente manipulados sob a forma de organismos associativos, na verdade instrumentos de poder benéficos às facções políticas de todas as cores.
É óbvio que os administradores municipais e os seus consultores e sequazes sabem que as estruturas de prestação de serviços públicos existentes no município de Teresina estão em acelerado processo de degradação e que os vínculos das relações sociais definidores das normas de conduta dos habitantes da cidade se acham em acentuado desgaste. Por isso, insistem nas freqüentes campanhas publicitárias que anunciam as surpreendentes metas alcançadas nas execuções das políticas públicas de habitação, saúde e educação, alardeados em coloridíssimos painéis. Ocorre que todos os administradores públicos da cidade têm conduta ilibada e seus argumentos políticos estão corretíssimos.
Equivocados e insensatos foram José Antônio Saraiva e Abdias da Costa Neves, que planejaram uma cidade caracterizada por um espaço físico racionalmente estabelecido para ampliações horizontais sucessivas e crescentes, com eixo central orientado de norte para sul, sem agressões aos ecossistemas definidos pelos cursos dos rios Parnaíba e Poty. Teresina foi, pois, projetada como cidade economicamente dinâmica, que seria referência para as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, porque vocacionada a ser o pólo de atividades mercantis do Meio-Norte, com um ativo porto fluvial no rio Parnaíba, para o qual convergiriam os troncos ferroviários para escoamento dos fluxos de produção dos pólos agrícolas e agroindustriais das regiões Norte e Centro-Oeste.
Quem estiver vivo para comemorar o bicentenário da cidade, em 2052, acertará contas políticas e sociais e passará a limpo essa história, como tributo à memória daqueles que, verdadeiramente, e aqui vale a redundância, a planejaram para o futuro.

*Paulo Machado é poeta, pesquisador, advogado e integrante da Geração Pós-69, no âmbito, hoje, do Grupo Pulsar de Cultura.


Acontecendo em Teresina


A Mídia e o Medo

Edmar Oliveira


Quando estive em Teresina da última vez reparei que um fenômeno, que já vinha acontecendo de tempos antes, agora está exacerbado. Os prédios se empinando no rumo das nuvens, todo mundo querendo morar atrepado, desvalorização das casas de rua, com os muros ficando mais alto, escondendo as bonitas residências de antes. E as cercas elétricas estendidas no alto dos muros lembrando presídios e campos de concentração. E um medo de assalto, um medo dos mais pobres e pretos muito maior que antigamente.

E, assunto de todos, o aumento da violência na cidade. O medo das pessoas bem maior do que o medo que se tem no Rio de Janeiro. E a pergunta insistente de como é que alguém pode morar no Rio de Janeiro com a violência transmitida pela televisão. Fiquei encasquetado com aquilo.

E matutei aqui comigo: primeiro a televisão tirou de Teresina as cadeiras na calçada à noitinha, quando se ficava a esperar “o vento que vinha de Parnaíba”, numa prosa com os vizinhos. Eu vi essa passagem. Quando a televisão transmitiu a copa de 70 foi com uma imagem trazida do Ceará, que mais chuviscava do que se viam os jogadores correndo atrás da bola. Depois o sonho do Valter Alencar trazendo a TV na canção da Wanderléia: “vem aí a TV/Rádio Club pra você” (alguém lembra aí da música?). Aí as cadeiras saíram das calçadas para prestar atenção nas novelas da TV. Que modelou os costumes, o modo de vestir de todo mundo. A jaqueta Lee fez moda num sol de quarenta graus.

Agora a TV diz todo dia dos assaltos e da violência do Rio. Claro que tem lugares violentos. Toda cidade grande tem. Mas tem muitos lugares em que se pode viver em paz com uma taxa de violência aceitável. No Rio, na Cidade do México, em Tóquio. Não em Teresina. Além de acharem que eu vivo entre rajadas de tiros e assaltos a cada esquina, acham também que essa violência da mídia chegou a Teresina. E deve ter chegado mesmo, mas não em todo lugar. A mídia não ensina direito a geografia e muitos me ligaram para saber como eu estava sobrevivendo às enchentes que aconteciam na Região Serrana a uns 70 ou 100 quilômetros de distância da minha casa. Tipo em Altos e Campo Maior para quem mora em Teresina. Mas a violência de Teresina, dizem, está em toda parte. Andei como de costume e não a encontrei. Sorte minha.

Posso estar errado. A violência chegou a Teresina, como chega a qualquer cidade que cresce assustadoramente, tirando os moradores nativos do lugar. Quando todo mundo se conhece se rouba galinhas. Quando ninguém se conhece a violência campeia. Mas não em toda parte.

Queria estar errado. Mas acho que a mídia ajuda a disseminar um medo sem limites e, geralmente, um medo dos pobres, dos pretos, dos desvalidos...

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Foto da Ponte Estaiada contrastando com o Morro do Urubú (agora eufemisticamente rebatizado de Morro da Esperança) de Paulo Tabatinga.
Foto de cadeiras na calçada, em Oeiras, de Moisés Oliveira Filho

Foto da Semana


Poemartemanhas

“ Teresina apagou-se na distancia
Ficou, longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol da minha infância
E o minuto melhor da minha vida”
(...)
“ tudo me desconhece. Ingrata é a terra.
O céu é frio. E eu sigo para frente,
Como quem vai seguindo para a guerra.”   Lucídio Freitas


Fotopoema


Filosofando

Para quem tem de pagar na Páscoa,
A quaresma é curta.   Machado de Assis



                                             DEUS SEJA LOUVADO!

Um comentário:

Célia Vaz disse...

Teresina está mudada e, claro, continua mudando e deixando muitas saudades. A linda Cidade Verde e tranquila está se transformando rapidamente numa "cidade concreto" e perigosa, infelizmente a olhos vistos. Sua paisagem, seus lindos rios estão sendo destruídos, assim como sua paz. Mas eu, felizmente, ainda posso me dar ao luxo de pegar minha "cadeira de macarrão", colocá-la na calçada e observar o movimento na rua enquanto bato um papo gostoso com alguns vizinhos. Na minha rua ainda não "perdemos o interior".