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domingo, 22 de maio de 2011

A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA...

Fábio Konder Comparato


As rebeliões populares que sacodem atualmente o mundo árabe têm, entre outros méritos, o de derrubar não só vários regimes políticos ditatoriais em cadeia, mas também um mito político há muito assentado. Refiro-me à convicção, partilhada por todos os soi-disant cientistas políticos, de que um povo sem organização prévia e não enquadrado por uma liderança partidária ou pessoal efetiva, é totalmente incapaz de se opor a governos mantidos por corporações militares bem treinadas e equipadas,  com o apoio do poder econômico e financeiro do capitalismo internacional.


Pois bem, há quatro séculos e meio um pensador francês teve a ousadia de sustentar o contrário. Refiro-me a Etienne de la Boëtie, o grande amigo de Montaigne.  No Discurso da Servidão Voluntária, publicado após a sua morte em 1563, ele pronunciou um dos mais vigorosos requisitórios contra os regimes políticos e governos opressores da liberdade, de todos os tempos.


Seu raciocínio parte do sentimento de espanto e perplexidade diante de um fato que, embora difundido no mundo todo, nem por isso deixa de ofender a própria natureza e o bom-senso mais elementar. O fato de que um número infinito de homens, diante do soberano político, não apenas consintam em obedecer, mas se ponham a rastejar; não só sejam governados, mas tiranizados, não tendo para si nem bens, nem parentes, nem filhos, nem a própria vida.


Seria isso covardia? Impossível, pois a razão não pode admitir que milhões de pessoas e milhares de cidades, no mundo inteiro, se acovardem diante de um só homem, em geral medíocre e vicioso, que os trata como uma multidão de servos.


Então, “que monstruoso vício é esse, que a palavra covardia não exprime, para o qual falta a expressão adequada, que a natureza desmente e a língua se recusa a nomear?”


Esse vício nada mais é do que a falta de vontade. Os súditos não precisam combater os tiranos nem mesmo defender-se diante dele. Basta que se recusem a servi-lo, para que ele seja naturalmente vencido. Uma nação pode não fazer esforço algum para alcançar a felicidade. Para obtê-la, basta que ela própria não trabalhe contra si mesma. “São os povos que se deixam garrotear, ou melhor, que se garroteiam a si mesmos, pois bastaria apenas que eles se recusassem a servir, para que os seus grilhões fossem rompidos”.


No entanto – coisa pasmosa e inacreditável! –, é o próprio povo que, podendo escolher entre ser escravo ou ser livre, rejeita a liberdade e toma sobre si o jugo. “Se para possuir a liberdade basta desejá-la, se é suficiente para tanto unicamente o querer, encontrar-se-á uma nação no mundo que acredite ser difícil adquirir a liberdade, pela simples manifestação desse desejo?”


O que La Boëtie certamente não podia imaginar é que, durante os primeiros séculos do Brasil colonial, foi muito difundida a prática da servidão voluntária de indígenas maiores de 21 anos. Encontrando-se eles em situação de extrema necessidade, a legislação portuguesa da época permitia que se vendessem a si mesmos, celebrando um contrato de escravidão perante um notário público.


De qualquer modo, prossegue o nosso autor, a aspiração a uma vida feliz, que existe em todo coração humano, faz com que as pessoas, em geral, desejem obter todos os bens capazes de lhes propiciar esse resultado. Há um só desses bens que elas, não se sabe por que, não chegam nem mesmo a desejar: é a liberdade. Será que isto ocorre tão-só porque ela pode ser facilmente obtida?


Afinal, de onde o governante, em todos os paises, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão? Deles próprios, responde La Boëtie.

“De onde provêm os incontáveis espiões que vos seguem, senão do vosso próprio meio? De que maneira dispõe ele [o tirano] de tantas mãos para vos espancar, se não as toma emprestadas a vós mesmos? E os pés que esmagam as vossas cidades, não são vossos? Tem ele, enfim, algum poder sobre vós, senão por vosso próprio intermédio?”


A conclusão é lógica: para derrubar os tiranos, os povos não precisam guerreá-los. “Tomai a decisão de não mais servir, e sereis livres”. Aí está, avant la lettre, toda a teoria da desobediência civil, que veio a ser desenvolvida muito depois que aquelas linhas foram escritas.


É de completa evidência, prossegue o autor, que somos todos igualmente livres, pela nossa própria natureza; e que o liame que sujeita uns à dominação dos outros é algo de puramente artificial. Mas então, como explicar que esse artifício seja considerado normal e a igualdade entre os homens não exista praticamente em lugar nenhum?


Para explicar esse absurdo da servidão voluntária, La Boëtie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, o interesse.


Foi por força do hábito, diz ele, que desde tempos imemoriais os homens contraíram o vício de viver como servos dos governantes. E esse vício foi, ao depois, apresentado como lei divina.


É também verdade que alguns governantes decidiram tornar mais amena a condição de escravo, imposta aos súditos, criando um sistema oficial de prazeres públicos; como, por exemplo, os espetáculos de “pão e circo”, organizados  pelos imperadores romanos.

Outro fator a concorrer para o mesmo efeito foi o ritual mistificador que os poderosos sempre mantiveram em torno de suas pessoas, oferecidas à devoção popular. O grotesco ditador Kadafi, com seus trejeitos de mau ator de opereta, nada mais fez do que reproduzir, mediocremente, vários tiranos do passado. “Antes de cometerem os seus crimes, mesmo os mais revoltantes”, lembrou La Boëtie, “eles os fazem preceder de belos discursos sobre o bem geral, a ordem pública e o consolo a ser dado aos infelizes”.


Por fim, a última causa geradora do regime de servidão voluntária, aquela que La Boëtie considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais, formada entre os serviçais do regime. Em degraus descendentes, a partir do tirano, são corrompidas camadas cada vez mais extensas de agentes da dominação, mediante o atrativo da riqueza e das vantagens materiais.


No Egito de Mubarak, por exemplo, oficiais graduados das forças armadas ocupavam cargos de direção, muito bem remunerados, nas principais empresas do país, privadas ou públicas. Algo não muito diverso ocorreu entre nós durante o vintenário regime militar, com a tácita aprovação dos meios de comunicação de massa, a serviço do poder econômico capitalista.


Pois bem, se voltarmos agora os olhos para este “florão da América”, veremos um espetáculo bem diverso daquele que nos fascina, hoje, no Oriente Médio. Aqui, o povo não tem a menor consciência de ser explorado e consumido. As nossas classes dirigentes, perfeitamente instruídas na escola do capitalismo, nunca mostram suas fuças na televisão. Deixam essa tarefa para seus aliados no mundo político. Elas são anônimas, como a sociedade por ações. E o jugo que exercem é insinuante e atraente como um anúncio publicitário.





Por estas bandas o povão vive tranqüilo e feliz, na podridão e na miséria.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/comparato-a-servidao-voluntaria.html

 

Acontecendo em Teresina

Está acontecendo no Museu do Piauí a Exposição AUSÊNCIA TUA de 18 de Maio a 30 de Junho.
Artista: Adler Murad, Cícero Manoel, Gabriel Archanjo, Valdeci Veron, Elon Constantino, e João Marciano.


Foto da Semana



 


Para Relaxar

O primeiro protetor de testículos, na prática do hóquei, foi criado em 1874.
O primeiro capacete para a proteção da cabeça foi usado em 1974.

Conclusão:

Foi necessário um século
Para que os homens percebessem
Que o cérebro também é importante.


Fotopoema




Poemartemanhas





Filosofando

Filosofia de mesa de bar:
                                                     
Osama
Obama
Ou Brahma?!

Outra:

A voz do povo é a voz do diabo.

domingo, 15 de maio de 2011

"O valioso tempo dos maduros" - Mário Pinto de Andrade


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário Pinto de Andrade
Escritor e político angolano, de nome completo Mário Coelho Pinto de Andrade.
(1928-1990)



Para Relaxar

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação.Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:- Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa.
Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com
minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à qüinqüagésima potência que o vulgo denomina nada.E o ladrão, confuso, diz:
- Dotô, resumindo, eu levo ou deixo os pato?



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Acontecendo em Teresina

Trânsito desumanizado - Teresina - Pi.


Filosofando

“ A verdadeira vida está ausente, e não está no mundo” Robert Bréchon

 
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O POEMA E A MÁQUINA
                                                        NELSON NUNES

UM HOMEM MAIS OUTRO HOMEM
NÃO FAZEM UM DESTINO.
SERÃO SEMPRE UM HOMEM E OUTRO HOMEM
A CORREREM COMO DOIS PARALELOS.

UM TRABALHA O FERRO EXTRAÍDO DA TERRA
E COM TODO FERVOR FABRICA A MÁQUINA.
O OUTRO PASTOREIA UM REBANHO DE PALAVRAS
E COMO PARA DISTRAIR ESTRELAS FAZ POEMAS.

CADA UM COM SUA LINGUAGEM
COM SUA FERRAMENTA
ENFRENTA O MUNDO
CONSTRÓI SEU SONHO.

O FERRO FUNDIDO EM PALAVRA FUNDE A VIDA.
A MÁQUINA É O POEMA DO OUTRO HOMEM.
O POETA QUER DECIFRAR A MÁQUINA
QUE QUER DEVORAR O HOMEM.


sábado, 7 de maio de 2011

“Bullying” contra o português

Nosso idioma é vulnerável aos ataques do inglês, e ninguém está disposto a protegê-lo... até porque falar errado virou chique

Luís Antônio Giron
Na semana passada, minha mulher comprou um pote de geleia de mirtilo, com o seguinte selo: “Geleia de blueberry”. Num acesso de hipercorreção, risquei a palavra “blueberry” e escrevi por cima “mirtilo”, não sem antes passar um “branquinho” sobre o rótulo. “Você está louco?”, me disse Miriam ao descobrir o trote. “É assim que nascem os serial killers!”, exagerou. Respondi no meu espírito habitual: “Brincadeira sem graça. E por que não ‘assassinos seriais’?” Ela atacou: “Porque você diria que é anglicismo”. Neutralizado pela jogada dela, fiquei tentando encontrar um correspondente em português para “serial killer”, mas não consegui. Tive de me resignar à expressão americana. “Tudo bem, assassino serial, tudo em nome da língua portuguesa. Não aguento mais escreverem tudo errado!” Ela riu: “Se constasse ‘mirtilo’ em vez de ‘blueberry’ no rótulo, o produto não venderia! Sabe por quê? Porque ninguém sabe o que é mirtilo.” Pois é, ninguém leva a questão da pureza da língua a sério. Sobrei eu. Ou nem eu...

Mas, como diriam os sambistas, ainda posso ser considerado um dos “últimos baluartes da língua portuguesa”. Pode parecer um título pretensioso, até porque não recebi de ninguém outorga ou procuração para a função. Ou ridículo, por lembrar o personagem do romance Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em 1915, de Lima Barreto: Policarpo é aquele coronel aposentado que infla o peito quando fala de Brasil e se orgulha de tudo o que é nativo, a ponto de propor que o tupi-guarani seja elevado a idioma oficial da república. Claro ele que dá com os burros n’água e é ridicularizado por todos, inclusive pelo narrador. Não sou xenófobo nem avesso a influências estrangeiras em qualquer que seja a cultura, a brasileira inclusive. Defendo o acesso universal à cultura e aos idiomas em um planeta cada vez menor. Costumo dizer que é sempre melhor um plus a mais do que um less de menos. Há situações, porém, que me causam tamanha irritação, que tem gente me chamando de Novo Policarpo Quaresma. Já peguei a fama na minha própria causa por causa do mirtilo, mais conhecido por aqui como blueberry.

Nessas, quem se estrepa sou eu. O que me exaspera é a preguiça e a assumida ignorância dos usuários do português no Brasil. Chamam urubu de meu louro, e blueberry de mirtilo. As pessoas estão falando e escrevendo em um português cada vez mais estropiado. E a causa principal se encontra na tenaz e persistente contaminação do inglês. Pior, acham o máximo cometer erros simultaneamente nas duas línguas, inglês e português. Assim, tenho sido forçado a lutar pela língua, como se envolvido em uma guerra. Não fui convocado ao serviço militar do léxico, mas eis-me no campo de batalha. E aí, como diz o ditado, agora dou uma boiada para não sair mais da briga. Como se mal diz hoje, eu me voluntariei (leia-se em bom português: “ofereci-me”). Chamem-me do que quiserem. Ao ataque!

Hoje em dia, a turma que entende das coisas adora falar que os estudantes “sofrem bullying”. Ô, palavrinha mais antipática... O tal do “bullying” está na boca do Brasil inteiro, e com pronúncia errada (as pessoas gostam de dizer “bãling”, o que as torna ainda mais ridículas). A palavra “bully” tem uma origem chã: provém de “bull”, touro, do inglês do século XVII e significava originalmente “fanfarrão”, “mata-mouros”. Só mais modernamente passou a designar perseguição e agressão, em português. O correto seria dizer: “Os estudantes sofrem perseguição nas escolas”. Não ouso afirmar que a língua portuguesa está sendo agredida. Para convencer meu interlocutor, tenho de “refrasear” (em vez de “refazer”) a afirmação para: “O português está sofrendo bullying”. Aí todos entendem, batem palmas e pedem bis – ou, como se diz em inglês, “encore”. Isso porque agora o correto já virou incerto. Eu não posso falar que temos um prazo final no fechamento desta edição. Para parecer mais sofisticado, tenho de alertar que não há prazo final, e sim um “deadline”. Sinto-me mais bacana por dizer “deadline” e “approach”, entre outras baboseiras do atual jargão do jornalismo.

Tenho a impressão de que todo mundo, inclusive eu, esqueceu-se das palavras precisas para designar determinadas situações e objetos. O bombardeio dos termos em inglês provoca amnésia linguística e tornou legítimos barbarismos como “provocativo” em vez de “provocador” e “basicamente” em vez de “fundamentalmente”. Ainda mais risível é quando usam “eventualmente” no sentido de “finalmente” – “eventually” em inglês. Realizou?

Nesse campo da prática de abusos, os críticos de música e cinema são tradicionalmente os piores: eles enxameiam seus textos de termos em inglês e expressões esdrúxulas. Só que agora andam a abusar do direito que se autoatribuíram (daqui a pouco vão dizer “se self atributiram” ou qualquer coisa do tipo). Ninguém mais estraga prazeres ao contar o desfecho de um filme; agora o que vale é o popular “spoiler alert”. Quando você vai contar a trama de um filme, terá de dizer assim: “Cuidado que tem spoiler!” Quando um crítico me diz isso me dá vontade de pular, pois a palavra soa como uma espécie de escaravelho ou baratagigante.

No dia a dia, o pessoal vive se metendo em “brainstorming”, vocábulo inglês que pode ser facilmente traduzido para confabulação. Que tal confabular em vez de “fazer um brainstorm”? Acho uma troca vantajosa, até porque é menos barulhenta, “brainstorm” evoca tempestades com raios e trovões. Nada melhor que confabular, trocar ideias e histórias. Além de tudo, soa melhor.

O português surgiu por volta do século XII (embora haja documentos de duzendos anos antes) a partir da evolução do latim vulgar na Península Ibérica, com contaminações de termos celtas, visigóticos e árabes. No começo, era chamado de “galego-português” porque a fala e a escrita apareceram no norte de Portugal, na fronteira com a Galícia. As poesias palaciana, de amigo e de escárnio e maldizer foram criadas e publicadas antes mesmo da consolidação de idiomas como espanhol, italiano, alemão e... inglês. Língua venerável, o português. Um idioma imperial do século XVI. Por isso, bonita como uma caravela engalanada, clara e solar como as igrejas góticas de Lisboa.

Amo os meios-tons que suas vogais contêm, aparentadas francês. É um grande prazer remexer no léxico riquíssimo do idioma, brincar com a possibilidade que ele oferece de alongar as frases quase ao infinito, pois o português flui como uma plácida corrente de rio. Adoro certas palavras que não constam de línguas irmãs, como a (quase) intraduzível “saudade”, ou aquelas que existem em outras, que ganham um sabor delicado no vernáculo, como “brisa”, “maçã” e “paixão”. Os ecos artísticos são grandes. Eu sei que blueberry consta de um belo filme de Wong Kar-Wai. Trata-se de My blueberry nights, traduzido em português pelo título pedestre Beijo roubado em vez de “Minhas noites de mirtilo”. Blueberry é uma palavra que a gente amassa com dois dedos. Mirtilo, não. O vocábulo está em Camões e Petrarca, que, por sua vez, beberam na fonte de Horácio e Virgílio. Mirtilo evoca pastores do Parnaso e da Serra da Estrela. É antigo e lírico, como o português.

Por isso, podem vir com seu temível bullying contra a língua portuguesa, que estarei a postos para toureá-lo, apagá-lo e substituí-lo pelo castiço verbo agredir. Que mais “geleias de blueberry” arremetam contra mim, que as receberei com meu poderoso corretor. Não sou besta. Sei que as línguas são dinâmicas e abertas a influências externas. São organismos vivos. Mas daí a se render totalmente à ignorância dos próprios recursos, de seu thesaurus, vai um abismo. Os tão festejados e pouco praticados “laços lusófonos” só têm ajudado a apagar a delicada língua de Camões das areias da cultura. Parece que quase ninguém está disposto a preservar o que quer que seja, quanto mais suas referências espirituais. Restam alguns poucos Quaresmas neste país. Mas se eu for o último homem em pé para proteger o idioma, pelo menos terei orgulho do que deixei de realizar, mas ao menos tentei.
Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

Foto da Semana




Acontecendo em Teresina

Foto: Paulo Tabatinga



Filosofando
"Se quiserem ter uma alimentação saudável,
comam mulheres de fibra"   Frase catada na internet




Poemartemanhas
                         
                        Porque os outros se mascaram mas tu não
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.



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CULTURA


O Forró Vivo


Vejo com muito bons olhos – olhos atentos de quem há décadas observa os movimentos da cultura em nosso país – a iniciativa do Secretário de Cultura do Estado da Paraíba, Chico César, de “investir conceitualmente nos festejos juninos”, segundo comunicado oficial divulgado esta semana. Além de brilhante cantor e compositor, Chico tem se mostrado um grande amigo da arte também como um dos maiores gestores da cultura desse país.

A maneira mais fácil de dominar um povo – e a mais sórdida também – é despi-lo de sua cultura natural, daquilo que o identifica enquanto um grupamento social homogêneo, com linguagens e referências próprias. Festas como o São João e o carnaval, que no Brasil adquiriram status extraordinariamente significativo, tem sido vilipendiadas com a adesão de pretensos agentes culturais alienígenas mancomunados com políticas públicas mercantilistas sem o menor compromisso com a identidade de nosso povo, de nossas festas, e por que não, de nossas melhores tradições, no sentido mais progressista da palavra.

Sempre digo que precisamos valorizar os conceitos, para que a arte não se dilua em enganosas jogadas de marketing. No que se refere ao papel de uma secretaria ou qualquer órgão público, entendo que seu objetivo primordial seja o de fomentar, preservar e difundir a cultura de seu estado, muito mais do que simplesmente promover eventos de entretenimento fácil com recursos públicos. É preciso compreender esta diferença quando se fala de gestão de cultura em nosso país.

Defendo democraticamente qualquer manifestação artística, mas entendo que o calendário anual seja largo o suficiente para comportar shows de todos os estilos, nacionais ou internacionais. Por isso apóio a iniciativa de Chico em evitar que interesses mercadológicos enfiem pelo gargalo atrações que nada tem a ver com os elementos que fizeram das festas juninas uma das celebrações brasileiras mais reconhecidas em todo o mundo.

Lembro-me que da última vez que encontrei o mestre Luiz Gonzaga, num leito de hospital, este me pedia aos prantos: “não deixe meu forrozinho morrer”. Graças a exemplos como o de Chico César, o velho Lua pode descansar mais tranquilo. O forró de sua linhagem há de permanecer vivo e fortalecido sempre que houver uma fogueira queimando em homenagem a São João.

Alceu Valença - Fonte: http://www.alceuvalenca.com.br/



Águas de Maio
Em vez do vento que empinava  papagaios, águas, em pleno maio, no céu que já foi azul.


 

domingo, 1 de maio de 2011

Saúde mental - Rubem Alves

"Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei.

Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia.Eu me explico.Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se.Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.

Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham... Eram lúcidas demais para isso.Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata.Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental.Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software.

O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software.Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam.

Não se conserta um programa com chave de fenda.Porque o software é feito de símbolos e, somente símbolos, podem entrar dentro dele.Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção!

Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio:
A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou... Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, "saúde mental" até o fim dos seus dias.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes.
A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música... Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago?

Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.
Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal.
Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram..."


Foto Da Semana



Predio Antigo de Teresina - Arte: PauloTabaTinga

Acontecendo em Teresina
Esses babaçus não existem mais
Foram cortados recetemente
E ficavam na rua Barroso, perto do Liceu Piauiense.É uma pena!


O babaçu é uma das mais importantes representantes das palmeiras brasileiras. Sobre este gênero de plantas, afirmou Alpheu Diniz Gonsalves, em 1955, que "é difícil opinar em que consiste a sua maior exuberância ia: se na beleza dos seus portes altivos ou se nas suas infinitas utilidades na vida da humanidade" E esta é a mais pura verdade!
Fonte: http://www.biodieselbr.com






Poemartemanhas

 
Rio Parnaíba - Teresina, Piauí
Trecho do poema A Rua de Torquato Neto, musicada por Gilberto Gil


 Filosofando

"Há tantos burros mandando em homens inteligentes, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência".- Ruy Barbosa.


Fotopoema