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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Link do Livro Somente Para bêbados - Orvermundo

http://www.overmundo.com.br/banco/somente-para-bebados-paulo-tabatinga

SOMENTE PARA BÊBADOS - Paulo Tabatinga





Um homem que só bebe água
Tem algum segredo para esconder
De seus semelhantes.
Charles Baudelaire





Tu é que, sem vinho, me embriagaste.
Dostoiésvski




“Vocês olham nos meus olhos
E não vê nada.
É assim mesmo que eu quero ser olhado”
Torquato Neto


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Eu não sou contra viados
Mas, há viados
Que são frescos



A mulher fica boquiaberta
Com o grito animal do homem
Na hora do gol



Todo bêbado
Foi um lúcido
Mal compreendido.



Quando bebo
Pareço fugir da realidade
Mas quando estou sóbrio
É ela que foge de mim


Os “sóbrios” mudam
Só bêbados são os mesmos


A mulher gosta de se ver distorcida
Por isso tantas novelas
Na sua imaginação


Há uma faca
Na mão do cortejador
Na guerra invisível de todas as mesas


Quase sempre quem chama os convidados
Para cantar parabéns
É aquele que deseja acabar com a festa


Só muda o mundo
Quem sobra


Estou em mim
Mas os imbecis
Me apontam caminhos


O vinho me salva
Do remédio estudado
Com segundas intenções


A mentira se diz sóbria
E vive de embriagar


É proibido dirigir embriagado
Mas as pistas só são pros carros
E as casas são distantes


Penso,
Logo não sei se resisto


As pessoas
Gostam mais do por do sol
À aurora
Porque cultuam muito mais o adeus


Não acredito na cidade
Que valoriza acima de tudo
As pistas dos carros


As palavras habitam o corpo
Cheia de seus significados
E quando nem damos conta
Já ficam donos da gente


Minha casa está sitiada
Por televisores, celulares, e computadores,
E minha dor não sai em jornais.


A embriaguês
É voltar pra si
Sem a velocidade dos carros


Prefiro Álvares de Azevedo à Adam Smith


Toda mulher quer ser comida

As mulheres sofrem
Com os filhos sem mãe


Um gol muda tudo


Enquanto os homens
Assistem ao futebol
As mulheres estão
Procurando comida


Juntemos os loucos
E seremos vários exércitos

Existe algo no futebol
Para matar homens


Eu quero tomar conta
De mim
Por isso : tudo endógeno


Se o alcoolista
É tratado como doente
Porque não é doente
Quem vive comendo de frente para televisão?


O ciumento,
Quando, muito planta
São árvores sem frutos


O ser humano
É quase todo igual:
Desumano


Morar na capital
É perder o interior


Do inumano
Surgem poetas lunares
E a solidão transborda taças


Quase todo
Amante de matemática
Adora a mãe
E por não caber no sentimento
Adota a lógica


Comer caju
Tem cheiro de Teresina


A criança, o poeta, o bêbado
Cada qual com sua loucura transcendental


Quando o meio está corrompido
O jeito é mover-se por fora
Para sacolejar o que ainda
Pode nascer endógeno


O caos está posto
A mão invisível move um bando de tolos


Da tela se fez cinema
Agora estamos no quadrado
Do cinema da tela


O negócio é ser
E não ter mais questão


Se você afirma ou nega, na sua concreta posição
Eu vou e volto, na dialética
Eu digo, simplesmente. Ou não.

Não adianta adiantar


Todas as vezes que um priquito* passa
Finda-se uma filosofia


Envelheci dentro de um carro
Na inércia abrupta da Frei Serafim


Meu pai e minha mãe
Fumaram muito
E, eu, nasci tragado


As advertências a velocidade
Deveriam ser no limite
Da velocidade do velocímetro


A globalização só me trouxe o peso do mundo


Tudo volta pro centro
Tudo volta pro sol


As cidades vão crescendo
As cadeiras recolhidas
E a solidão do meu peito, expandida


O pai do mundo
É um filho sem mãe


Ah se eu soubesse dizer da dor
Que meu peito troa
Ao ver a lua
Ninguém na rua:
Desdém de amor


Disseram-me que sem o dinheiro
Não se vai a lugar nenhum
Até aí, tudo bem!
Mas eles não sabem
É que o dinheiro foi inventado
Para ninguém ir a lugar nenhum.

Prefiro viver a realidade dos sonhos
A realidade dos homens.



Tenho vontade de correr...
Derrubar todos os muros
E provar que o abraço
É o mais concreto.


Se há uma terceira margem
Há também um terceiro rio


Quem é o mais louco,
O que rasga dinheiro,
Ou o que o cultua?


Ele quebrou a televisão
Que quebrou sua reputação
Mas foi parar na delegacia da mulher,
Porque agora era a vez dela.


Não consigo ser exato
Porque em mim
Há sobras e faltas
E com isso me completo.


O avião é desnecessário
Para quem nunca quis inventar saudades.


Não importa ser banguela
Se o sorriso for sincero.

O olor dos perfumes
Re-pintam memórias


É difícil falar de passarinhos
Eles são muito leves


Embriagar-se é preciso
Navegar nem sempre

De que adianta o aumento da expectativa de vida
Se a qualidade diminui sempre




Nós estamos assistindo na tela
À nossa desgraça
A festa está sendo patrocinada
Por quem quer comemorar sozinho


Eu bebo pra dizer o que penso
E fico bom pra ninguém me matar


Atenção!
Trocar de feriado
É trocar de santo


O homem só é homem, só


Meus vizinhos
Nunca moraram
Perto de mim


As pessoas andam tristes
Nas paradas de ônibus
Esperando um ônibus que não vem


Dê-me as mulheres de um país
Que eu tomo conta dos dois

Essa coisa de futuro
É pura escravidão

O homem é um animal
Disfarçado de homem


Já existem
Abelhas alcoólatras
Revoando sobre copos etílicos
E a vida sem flor
Inebria os seres sensíveis

Com mulher
É preciso ter pinta



Em todo assunto
Tem sempre um novo filme
Como se fosse a resposta
Pra tudo que eu não perguntei ainda



Quase ninguém escuta o canto dissonante
Dos passarinhos solitários
Nos postes das cidades grandes


Metades se procuram
Na fome insaciável:
Solidão eterna antropofágica


O perfume da flor do caju
Exalar seu olor
Perfumando a noite quente
Da cidade indiferente


Saio por aí
Fumando caneta
Escrevo sentimentos amordaçados
Expilo fumaças do cigarro que quase ninguém mais tragou


Lá fora
Corre um rio quase morto
E dentro das casas
Ao vivo, e a cores
Todos assistem a ele agonizar


Meu poema
Anda sob a lua
Grita na noite surda
Sai às ruas
Quer acordar
Quem ainda não morreu







AVIÃO

Pássaro que engole gente
E caga fumaças de saudades



GLOBO

Depois da globo
Nossos domingos
Deixaram de ser fantásticos


Você só me chama pra velório
E eu já enterrei os meus
Quero festa, agora, e sempre
E nunca mais adeus


O problema do pi
É querer entender a liberdade da bola


Quero quebrar palavras
Que quebram


Foder com camisinha
É trepar com o pau dos outros


A gente deixa de ser criança
Com as porradas dos adúlteros


Não sou bolsa de valores
Por isso não apostem e mim


Somos filhos de um estupro
E ainda seguimos os manuais do estuprador


Não pergunte sóbrio
O que eu tentei dizer bêbado




Bebo do vinho
E me transformo em um soldado
Sou um anjo bom, as vezes, guache -
In vino veritas


De tanto me exasperarem
Tornei-me áspero
E o meu grito vai lixar teu silencio

Vou pra rua
E bebo a desigualdade

Eu corro demais
Só pra me ver meu bem

Um poeta não se ler
Em linhas retas


Eu antevejo
Aviões quentes
Sob o céu
De araras azuis
E um índio reanimado
A demarcar terras


Ela só lê Best-seller
Livros de auto-ajuda
Alistamentos de bobos
Recrutamento de bruxas


Não reaja!
Não reaja!
Insiste a tele-visão
E já não esboçamos
Nenhuma re-ação


O mundo que eu quero
Não passa na televisão


Sou um nativo destribalizado
Sem compreender a primeira missa
Atropelado entre carros e buzinas


No capitalismo
Ninguém dá nada a ninguém
Por isso: não me venha com subterfúgios de bônus


Está provado
Que a velocidade dos carros ultrapassa vidas -
Pára-brisas esmagam borboletas

Criaram um espaço
No sonho do homem
Tele-transporte – tele-visão
Banda larga, cibernética
Virtual cidade da solidão


Os liberalóides
São a favor da liberdade das mulheres, sem burca
Mas atiram, sem compaixão, nos filhos delas

*Priquito - Vagina. Priquito é a forma mais sincopada de PERIQUITO. Dicionário Piauiês, Paulo José Cunha, p190.


Profundas alegrias do vinho, quem não vos conheceu? Todo homem que tenha tido que amenizar um arrependimento, evocar uma lembrança, afogar uma tristeza, construir um castelo de vento, todos enfim vos invocaram, deusas misteriosas escondidas nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho, iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e ardente esta segunda juventude que o homem nele encontra! Mas quão temíveis também são suas volúpias fulgurantes e seus encantos exasperantes. Entretanto dizei, em sã consciência, juízes, legisladores, homens da sociedade, vós todos que a felicidade enternece, a quem a fortuna torna a virtude e a saúde fáceis, dizei, quem de vós terá a coragem impiedosa de condenar o homem que está bebendo genialidade? Aliás, nem sempre o vinho é aquele terrível lutador seguro da vitória, que jurou não ter nem piedade nem misericórdia. O vinho é semelhante ao homem: nunca saberemos até que ponto podemos prezá-lo e desprezá-lo, amá-lo e odiá-lo, nem de quantas ações sublimes ou de delitos monstruosos ele é capaz. Não sejamos pois mais cruéis com ele que com nós mesmos, e tratemo-lo como nosso igual. Às vezes parece que ouço o vinho dizer: - ele fala com a alma, com a voz dos espíritos que só os espíritos escutam – "Homem, meu bem amado, quero soltar para ti, apesar de minha prisão de vidro e dos meus ferrolhos de cortiça, um canto cheio de fraternidade, um canto cheio de alegria, luz e esperança. Não sou ingrato; sei que te devo a vida. Sei o que te custou de trabalho e de sol nas costas. Tu me destes a vida, será recompensado. Pagarei amplamente a minha dívida; pois sinto uma alegria extraordinária quando caio no fundo de uma goela ressecada pelo trabalho. O peito de um homem honesto é um lugar que me agrada muito mais que estas adegas melancólicas e insensíveis. É um túmulo alegre onde cumpro meu destino com entusiasmo. Faço um reboliço no estômago de um trabalhador e daí, por escadas invisíveis, subo para o seu cérebro onde executo minha dança suprema.
Charles Baudelaire


– É hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude como achardes melhor.

Sobre a obra

É aconselhável, antes de ler, tomar umas doses etílicas da vida.

Capa: Ilustração e Projeto Gráfico de Gabriel Archanjo.